HQs/Mangás

Resenha: Persépolis

25 março


Título: Persépolis - completo
Editora: Quadrinhos na CIA.
Páginas: 352
Ano: 2007

Na época das eleições para presidente no Brasil, vi uma imagem em que fazia uma comparação das mulheres antes da revolução islâmica e após no Irã. Confesso que não fazia ideia sobre a história do país e posso dizer, com um pouco de vergonha, que pensei que o regime islâmico sempre existiu por lá. Fui pesquisar mais sobre o tema e cheguei então a graphic novel (romance gráfico) ilustrado e escrito por Marjane Satrapi, uma autobiografia retrata sua perspectiva e os efeitos de uma guerra da infância a sua vida adulta em ordem cronológica.

A história se inicia na década de 1980 quando Marjane era uma criança que sonhava em ser profetiza e conversava com Deus constantemente, mas em seu país começava a revolução islâmica que entre outras coisas obrigava o uso do véu para as mulheres, meninos e meninas deveriam estudar separados, ensinamentos religiosos nas escolas e diversas outras regras em prol da religião islâmica. Seus pais sempre liberais, falavam abertamente sobre política e na década de 1970, participavam ativamente de movimentos contra o regime ditatorial comandado com pelo xá Reza. Com o regime islâmico instaurado no país a guerra ganhou cada vez mais espaço. Atrocidades aconteciam a todo momento e até mesmo uma casa do bairro onde Marjane morava foi bombardeada, os pais optavam para manter seus filhos seguros enviá-los para fora do país. Marjane permaneceu no Irã até os quatorze anos, seus pais decidiram enviá-la para a Áustria para ter uma boa educação. Uma criança morando sozinha em um país estrangeiro, abalada pela guerra e a distância dos pais, obviamente passaria por grandes desafios, além dos dilemas já típicos da adolescência.

Marjane Sartrapi não economizou na hora de retratar sua vida de forma sincera, abordando todo o seu processo de amadurecimento, momentos em que levaram-a contestar a existência de Deus quando seus sonhos de infância deixaram de ser realidade, quando seus heróis mudaram, quando a adolescência conturbada longe dos pais ficou cada vez mais difícil e quando em sua vida adulta demorou um tempo para reencontrar sua essência que era tão clara ainda na infância, mas que se viu cada vez mais distante ao longo dos anos. A leitura é bem diversificada e em alguns momentos até mesmo engraçada, mas sempre reflexiva. Uma graphic novel enriquecedora sobre uma cultura que pouco conhecia e tão distante da minha realidade. Recomendo essa leitura para todos que gostam de história, ou mesmo, para quem não gosta, provavelmente a forma leve como a autora coloca os fatos irá garantir que a leitura seja de fato surpreendente.
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HQs/Mangás

Resenha: Garota-ranho vol.1

15 agosto


Título: Garota-ranho Vol.1
Autores: Bryan Lee O'Malley, Lesleie Hung, Mickey Quinn
Editora: Quadrinhos na Cia.
Páginas: 
Ano: 2016

Nos últimos anos eu tenho me encontrado em leituras de quadrinhos, descobri no gênero uma riqueza que não fazia ideia. Por muito tempo pensava que os quadrinhos eram voltados apenas para o público infantil e juvenil e, para a minha surpresa, o gênero tem trazido grandes surpresas para a minha vida de leitora, extrapolando o gênero de super-heróis (isso não é uma crítica) me deparei com conteúdos diversificados nesse universo e incríveis. Quando uma história em quadrinhos (HQ) propõe fazer uma crítica a situações atuais, sou a primeira da fila a querer ler e é o que promete e cumpre Garota-ranho.

Para começar a nossa conversa sobre o livro preciso confessar uma coisa, não fazia ideia do que significava a palavra ranho, que nada mais é do que muco nasal, popularmente conhecido como catarro. Sim, caros leitores jamais imaginei que iria ler algo que tivesse ranho no título, a vida é uma caixinha de surpresas. Vencendo essa barreira dei início a leitura que traz a história de Lottie Person uma blogueira de modas de Los Angeles que aparentemente tem uma vida perfeita, bela, "chique sem esforço"  (como descrita na HQ), repleta de amigos e jovem. O que ela não quer que ninguém saiba é que por trás da tela a vida dela está um caos, ela tem uma alergia fortíssima, falta-lhe autoconfiança e alguns acontecimentos estranhos tem acontecido em sua vida, até mesmo um possível assassinato.

A história em quadrinhos abusa de uma linguagem informal, cheia de gírias e expressões usadas na blogosfera. Utiliza ainda, cores fortes e traços belíssimos para fazer uma crítica sobre algo que todos estão cansados de saber, mas ainda assim desejam muito acreditar, na perfeição (glamour) que é passado diariamente por milhares de pessoas em seus canais de comunicação. Digo isso não só pelos 'digital influencers', mas por todos que muitas vezes estão passando por situações complicadas, porém em suas redes sociais ostentam a perfeição e o glamour, muitas vezes só para se sentirem incluídos nesse universo. Não estou dizendo que é errado usar as redes sociais para publicar momentos de felicidade, situações cotidianas e sim pra alertar do perigo que existe por trás de tentar manter a tal fachada e seguir tantos padrões que são ditados diariamente por esses meios. Em um mundo que está cada vez mais imerso em tecnologias, onde as relações virtuais tem tomado o espaço de diálogos olhos nos olhos é necessário ter bom senso e discernir entre o que é bom do que é ruim. É um grande desafio quando 'curtidas', comentários e número de seguidores abalam diariamente a auto-confiança e ditam como as pessoas devem ser.

Ufa! Depois desse discurso todo sobre a atual situação em que o mundo se encontra e que essa HQ descreve com tanta clareza, acredito que ficou evidente o quão atual e relevante é o tema abordado nesses quadrinhos. O que não me agradou tanto na obra são os saltos temporais, pois me deixaram um pouco confusa para o primeiro volume de uma série. Os saltos se dão devido aos lapsos de memória da protagonista, causados pelo remédio que está tomando para combater a alergia, portanto são justificados. O suspense por si só e a dúvida que fica em volta da protagonista já garante a curiosidade para ler os próximos volumes dessa série de HQs.




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Parceria

Resenha: O Idiota por André Diniz (Fiodór Dostoiévski)

10 agosto



Título: O Idiota
Autor: André Diniz
Editora: Quadrinhos na Cia
Páginas: 413
Ano: 2018

Fala pessoal, Renner aqui de novo.

E hoje vim falar da obra O Idiota, uma quadrinização da clássica obra de Dostoiévski por André Diniz. O livro foi recebido em parceria e leva o selo Quadrinhos na Cia, uma nova abordagem da editora Companhia das Letras que tem trazido bons frutos para nós leitores.

A obra, composta de 413 belas páginas, traz à tona a capacidade de um ilustrador de dizer muito sem usar palavras. André Diniz mostra toda a sua competência na sutileza das expressões dos personagens, que contam toda a cena sem muita necessidade de balões de texto. O traço, o mesmo usado no cordel, chama a atenção por ser diferente do comum, chama tanta atenção que durante a sexta-feira na Bienal do Livro, passei por uma obra de quadrinhos e automaticamente identifiquei o traço do André Diniz, antes de ver o nome do autor, e era dele mesmo.

O prefácio de Bruno Gomide é bastante informativo e contextualizador, sendo um excelente complemento da obra. Como o mesmo cita no prefácio, é curioso observar como uma obra gigantesca e cheia de diálogo como as de Dostoiévski foi tão bem adaptada para os quadrinhos com um minimalismo de textos escritos sem igual, sem perder a qualidade. É essa capacidade que separa o ilustrador experiente de um iniciante.

A obra traz uma sensação de se assistir um excelente filme mudo de Chaplin, que sem dizer palavra consegue te emocionar e mexer com suas expectativas. Trata-se de uma sucessão de tragédias que refletem, em alguns aspectos parte da vida do próprio autor. Liev Michkin, o protagonista da nossa obra é um sujeito que tem epilepsia e que foi internado para cuidar do seu problema, sem sucesso. Ao ser liberado, já é um orfão sem muitos parentes próximos tendo sido auxiliado por muito tempo por seu mentor. Michkin é espelhado por muitos críticos num Dom Quixote misturado com Cristo. Isso é evidenciado seu idealismo da vida (traço comum na obra de Cervantes), bem como sua bondade e inocência, sacrificando o próprio bem-estar pelo próximo. Nesse contexto, logo após sair do sanatório na Suíça, ele conhece Rogójin no trem, um personagem que será presença constante na vida de Michkin até o fim da obra. Na sua volta a São Petesburgo, procura a única parente viva, Lisavieta Epántchin e acaba esbarrando em Nastássia Filíppovna, por quem se apaixona. O nome da obra é recorrente na medida em que, por toda sua inocência e bondade em meio a uma sociedade tão corrompida, Michkin é constantemente tratado por um idiota. Aos poucos e sem palavras, vai se descobrindo quão podre é o meio em que ele está inserido e o drama vai se construindo e evoluindo, até o ponto em que acontece algo irreparável. É agonizante acompanhar quantas vezes Michkin toma decisões que claramente vão prejudicá-lo em prol de alguém mais necessitado. 

Curiosamente, as transições da obra (dividida em blocos) apresentam imagens de Cristo e da sagrada família, como uma espécie de ilustração da via crucis do protagonista. A obra, divertida e rápida (li em uma manhã) não é suficiente para conhecer a fundo a obra original de Dostoiévski mas diverte e introduz o leitor ao autor. É uma certeza que, em breve, irei ler a obra original e depois reler esse quadrinho. Como ponto negativo (visão pessoal), poderia citar somente os traços, que apesar de marcantes me parecem muito carregados, não são o meu tipo preferido de ilustração, o que, no entanto, não prejudica em nada o entendimento da obra. Como destaque, a capacidade do ilustrador de contar uma história sem usar muito o recurso do diálogo, sendo capaz de passar somente ilustrando toda a emoção envolvida nas cenas.

Recomendadíssimo como obra introdutória. Se quer conhecer mais a fundo, melhor ler a obra original primeiro e depois esta como complemento. É mais uma que irei reler com imenso carinho em um futuro breve. Até a próxima e deixem nos comentários o que acharam da resenha.


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Companhia das Letras

Resenha: Maus - História Completa

10 agosto

Falar sobre o Holocausto realizado pelo governo nazista é sempre um tema denso, dolorido e difícil de digerir, sempre que realizo uma leitura sobre o assunto me questiono como seres humanos conseguiram realizar tal atrocidade. Ter acesso a livros que documentam e relatam um momento tão trágico como esse merecem ser lido por todos para garantir que tais atrocidades não ocorram mais na história. Maus do autor Art Spiegelman é um relato biográfico sobre a vida do seu pai, Vladek Spielgeman, o que ele viveu antes, durante e pós a segunda guerra. A verdade nua e crua sobre o Holocausto Nazista expressa em quadrinhos que despertaram meu interesse da primeira a ultima página.
Os quadrinhos expressam não somente a vida de Vladek, mostram de uma forma íntima o relacionamento entre pai e filho, as dores das perdas, as memórias que Art tem da mãe e como ele lida com o fato dos pais serem sobreviventes da segunda guerra, já que ele nasceu depois deles terem passado pelos campos de concentração (incluindo Auschwitz). São inseridos outros personagens na trama como Mala a atual esposa de Vladek e Françoise a namorada de Art. Os relacionamentos familiares não são tão simples, Vladek tem uma personalidade forte e a perda de Anja (mãe de Art) por quem sempre foi apaixonado influenciou muito em como ele lida com as outras pessoas, principalmente com o filho.
A presença de Anja no livro é forte apesar de não ter tantos detalhes sobre o que ela passou, Art queria conhecer a versão da mãe e o tempo todo busca pelos diários dela, porém não tem sucesso. A mãe retratada através tanto da visão de Art quanto de Vladek como uma mulher sensível e que sofreu muito com os horrores da guerra.
Os traços do autor são incríveis, os quadrinhos são em preto e branco, o que acredito que confere uma dramaticidade ideal para a temática. O autor explora os mínimos detalhes em suas ilustrações. Acampamentos, campos de concentração, ferramentas, esconderijos e mapas tudo retratado de uma forma muito real. O título Maus significa ratos em alemão, o que combina muito bem com a trama, já que os seres humanos são representados como animais, os ratos são os judeus, porcos são os poloneses não-judeus, os sapos franceses, os gatos são os alemães e os cachorros são os americanos. Eu achei sensacional todas as ilustrações.

Esse é um livro que acredito que deve ser lido e relido várias vezes e assim ter cada vez uma nova visão da riqueza dos detalhes que o autor inseriu em cada quadrinho. Os sentimentos são expressos com veracidade, são doloridos e estão presentes em cada recordação, refletidos mesmo anos após os acontecimentos, impressos nos personagens em suas personalidades e em seus relacionamentos. Ao longo da leitura me senti como se estivesse dialogando com Art e Vladek, conhecendo-os a fundo, vendo a alma deles e sem sentimentalismo exagerado, tudo na medida ideal.
O livro ganhou o Prêmio Pulitzer em 1992, sendo a primeira história em quadrinhos (HQs) a ganhar esse prêmio. Posterior ao prêmio os quadrinhos deixaram de ser somente voltados ao humor ou ao público infantil, logo a obra abriu os caminhos para as HQs mais densas, com novas abordagens.
Maus merece destaque e deve ser lido por todos que gostam de quadrinhos e tem interesse em saber um pouco mais sobre os horrores da segunda guerra. Esse ano realizei muitas leituras incríveis e com certeza esse livro está no topo, mesmo trazendo um tema tão difícil de digerir, me apeguei a leitura da primeira a última página. Uma leitura que vale a pena ser feita e recomendo a todos. 
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