“O circo
mecânico Tresaulti” da autora Genevieve Valentine foi um livro que me tirou
totalmente da minha zona de conforto e me surpreendeu de forma positiva. O
enredo traz um universo distópico devastado por uma guerra e em meio a todos os
horrores um circo se mantém na estrada, mas esse não é um circo comum, alguns
de seus integrantes tem partes do corpo substituídas por engrenagens, essas modificações
são feitas visando que o número seja ainda mais belo e perfeito, levando
alegria mesmo em tempos difíceis. A responsável pelo circo e pelas modificações
é Boss, uma mulher imponente que sempre usa um vestido longo e casaco de
lantejoulas.
“A ideia do homem-de-metal atrai o público, todavia, não posso negar. Toda vez que ando pelo que hoje chamam de cidade e coloco um cartaz em uma parede bombardeada ou outra, as pessoas saem de trás de suas portas trancadas só para darem uma olhada de relance.”
Todos os
personagens são endurecidos pela guerra, todos trazem consigo uma bagagem
emocional diferente e é no circo onde encontram refúgio e deixam de lado as
atrocidades que precisavam fazer para sobreviverem a guerra. Aqueles que não
são modificados costumam ficar por pouco tempo, mas aqueles que Boss dá uma
nova vida eles seguem fiéis ao circo. Alguns possuem mais metais que os outros,
tudo isso depende da forma como chegam ao circo e de acordo com os números que
executam.
“Alguns momentos são infinitos e aterrorizantes, mesmo que deem certo no final.”
O foco principal
são as relações que são construídas no meio circense e como as pessoas são
afetadas pela guerra, moldando a forma como vêem a vida e os laços afetivos que
irão estabelecer daquele ponto para a frente. O tema é bem dissecado e
transporta o leitor para dentro da ambientação proposta, é possível imaginar o
circo, o clima e seus integrantes com perfeição. Existe ainda, um certo
suspense sobre uma perseguição ao circo, por uma pessoa que em grande parte do
livro é denominada como “homem do governo”, que tem motivos obscuros para
tentar encontrar o circo e Boss. Portanto, além de explorar bem os
relacionamentos o livro traz ainda algumas cenas de ação bem dosadas.
“A maioria das pessoas não vivem o suficiente para ver o circo duas vezes. Estes são tempos exaustivos.”
Como mencionei
no princípio dessa resenha esse é um livro que me tirou totalmente da minha
zona de conforto literária, primeiro por apresentar três tipos de narrativas
diferentes e segundo por não seguir uma ordem temporal exata. As narrativas a
princípio me deixaram confusa, pois as mesmas não são alternadas em cada
capítulo, por vezes vários capítulos são narrados em primeira pessoa e quando me
habituava com a voz de repente o próximo capítulo seguia a narrativa em
terceira ou segunda pessoa, por exemplo. Conforme avançava na leitura eu fui me
habituando ao tipo de narrativa escolhida e já não sentia as transições
drásticas demais, o mesmo aconteceu com o fato da ordem cronológica que
alternava entre passado e presente, porém me senti mais confortável nesse
ponto.
“... Ninguém quer ver você fracassar. Qualquer um pode fracassar. Eles pagam dinheiro pra nos ver fazer coisas que eles não conseguem.”
‘Little George”
é o responsável pela narrativa em primeira pessoa, mas ao contrário do que se
pode pensar ele nunca foi modificado por Boss e nem por isso ele deixa de ter
uma conexão especial com Tresaulti e principalmente com Boss. É através das
descrições dele que o circo ganha vida e cresce diante dos olhos do leitor. Ele
é uma das poucas pessoas que permanecem por mais tempo no circo, ele ama tudo o
que ele vive e se encanta com a magia de Boss, o circo pra ele tem um forte
significado e faz todo o sentido ele ter sido escolhido como narrador.
Esse é um livro oito ou oitenta, é comum deparar com leitores ou que amaram ou
que odiaram a leitura, eu me encaixo no primeiro grupo mesmo que a princípio
tenha me sentido confusa, aos poucos fui me ambientando e compreendendo o
estilo de narrativa e cronologia adotada. Quanto mais me via imersa ao universo
apresentado mais fácil era de me aproximar dos personagens e ter uma visão mais
ampla e bem construída do Tresaulti. Não vejo como indicar este livro a um
público especifico, mas se você está procurando algo diferente e que apresente
uma atmosfera circense apresentado em universo distópico acredito que “O Circo
Mecânico Tresaulti” pode te surpreender.